De início, anota-se que o contrato de seguro é uma relação contratual que envolve as partes e tem natureza de consumo e, por isso, está sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor, que preveem a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor, coibindo aquelas que estabeleçam desvantagem exagerada ao consumidor em benefício do credor, e garantem a essa parte hipossuficiente o direito básico de informação adequada e precisa sobre produtos e serviços oferecidos pelo Fornecedor, além da inversão do ônus da prova para a facilitação da defesa (v. Artigo 6º, incisos III e VIII, 47 e 51, inciso IV, todos da Lei nº 7.078/90).

Por outro lado, reza o art. 766 do Código Civil que: “Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.”

Da leitura desses dispositivos devemos podemos pensar que são regras que se contrapõem, mas na verdade são regras que se relacionam e se complementam.

O fato de existir um regramento determinando que o segurado perderá o direito a receber a indenização caso não forneça informações exatas ou que omita circunstancias não pode ser interpretado de forma isolada e conduzir automaticamente a ideia de que o seguro possa ser recusado ou deva ser indenizado.

Isso porque a leitura desse dispositivo deve ser conjugada com o Código de Defesa do Consumidor, onde o dever de informação e transparência também são princípios aplicáveis aos segurados e as seguradoras, como uma regra de conduta social.

Por essa razão para que as limitações previstas na apólice contratada possam ter validade e os riscos excluídos da cobertura por morte nos eventos ocorridos em consequência de doença preexistente à contratação do seguro possam ser recusados há que em algumas situações a seguradora realizar de exames prévios quando da contratação do seguro.

Nelson Nery Júnior destaca que “À linha interpretativa dos contratos de seguro que vem sendo adotada corre jurisprudência iterativa sob argumento de que, dispensado o exame médico prévio, a seguradora assume o risco (RT 734/442, 702/108, 567/213, 246/79, 540/207)

Mas em que situação seria necessário a seguradora proceder exame médico nos segurados?

Será possível dizer que ainda que o segurado tenha ciência de que é portador de doenças e omite deliberadamente seu real estado de saúde quando do preenchimento da declaração pessoal de saúde no momento da contratação, ainda assim a seguradora seria obrigada a indenizar, apenas porque não realizou exames médicos no segurado?

Como em nosso sistema legal a boa-fé deve ser presumida e deve servir como parâmetro das relações ela não deve ser objeto de proteção para aquele que omite deliberadamente quando indagado acerca de informações de que tenham conhecimento.

Assim, a mera falta de exame prévio não poderá servir para proteger aquele que conhecedor de seu estado de saúde, respondeu por escrito o questionário de saúde alegando não ser portador de nenhuma moléstia quando da contratação de seguro.

A seguradora não está obrigada a agir como investigador de informações e exigir exames prévios do estado de saúde até mesmo daqueles que responderam não ter nenhuma doença, pois isso seria presumir que o segurado mente, e portanto, presumir ao inverso, a má-fé.

Ora a falta de exame prévio por parte da seguradora somente pode servir para conferir direitos aos segurados que tenham informado possuir alguma doença ou limitação no momento da contratação, e ainda assim a seguradora sem qualquer exame ou ressalva o aceitou como segurado.

As seguradoras também deverão efetivar as indenizações de segurados com doenças preexistentes, porém que no momento da contratação sequer lhes foi exigido o preenchimento da declaração pessoal de saúde, pois não pode acusar o segurado de omissão se nada perguntou.

Assim, nessas duas situações a seguradora não pode se esquivar da obrigação de indenizar o sinistro ocorrido, pois não tomou as precauções de analisar previamente o estado de saúde do segurado e simplesmente aceitou o risco e recebeu o premio.

Caso fosse permitido que a seguradora celebrasse o contrato, sem a cautela de exigir exame médico, nessas duas situações especificas, e assim, recebesse os prêmios mensais e, após a ocorrência de algum evento, sem relação direta com a doença preexistente, negasse a cobertura, apenas porque uma das diversas causas indiretas do óbito fora a doença omitida quando da contratação, isso resultaria em enriquecimento ilícito para as seguradoras.

Assentou, a propósito, o Superior Tribunal de Justiça não ser “possível presumir-se a má-fé da segurada sobre a preexistência da doença sem respaldo em prova técnica e, ainda, neste caso, sem que sequer tenha sido alegada e demonstrada pela seguradora” (REsp nº 617.239/MG, Relator Ministro Menezes Direito, 14.9.2004), e que “a doença preexistente só pode ser oposta pela seguradora ao segurado mediante realização de prévio exame médico ou prova inequívoca de sua má-fé” (STJ, AgRg no Ag nº 1.062.383/RS). No mesmo sentido: STJ, AgRg no Ag nº 1.039.850/BA, AgRg no Ag nº 973.265/SP, REsp nº 777.265/MG, REsp nº 651.713/PR e REsp nº 653.720/RS.

Somente com a demonstração de forma inconteste de que o segurado tinha ciência de estar doente; que, mesmo ciente, não informou seu real estado de saúde quando da contratação, e que esta moléstia foi a causa efetiva de seu óbito, é que a empresa seguradora não será responsabilizada pelo pagamento do Capital Segurado contratado.

Desta feita, a omissão de informações sobre doença preexistente, por parte do segurado, quando da assinatura do contrato, só isentará a seguradora de pagar a indenização em caso de morte se esta decorrer diretamente da doença omitida. Se a causa direta da morte for outra, e mesmo que a doença preexistente tenha contribuído para ela ao fragilizar o estado de saúde do segurado, a indenização será devida.

Por conseguinte, se não ficou provada a pré-existência da doença, nem a má-fé do segurado, não poderia a seguradora, de forma unilateral, eximir-se da obrigação de efetuar o pagamento da indenização, ao que se acrescenta que a não realização de exame médico prévio quando da formulação da proposta transfere à seguradora o risco atinente à saúde do contratante.